quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O TUXAUA

O mano Zequiel não descansava. Clinicava pelas bandas de Casimiro de Abreu, mantendo pacientes psiquiátricos no distrito de Barra de São João. Era corrida doida! Às segundas e quartas, atendia a praça de Cabo Frio; garantia a semana psicanalisando clientes cativos. Fala mansa, estribava-se na medicina naturalista, analisada sob ângulo muito pessoal, cujos resultados terapêuticos rendiam-lhe boa fama na Região dos Lagos.
Não era de laçar com sovel curto. Nos embaraços, tinha saída pra tudo. Troçando, fala-va tão a sério, que o interlocutor ficava de queixo caído. Zequiel mantinha a peta por dias seguidos. Dizem que há gente segurando engodos como verdades até hoje!
Numa dessas, um colega seu, também psiquiatra, assumiu funções na Secretaria de Saúde de Rio das Ostras. Conheceram-se num dos encontros regionais de psiquiatras, ocasião em que Zequiel soube da preferência naturalista do colega, dedicado ao estudo dos vegetais. Apanhou Zequiel na feição, pois este era aficionado pelo estudo das propriedades medicinais das folhas. Seu amigo, de nome Salvatore, ficou feliz, sabendo-se tão próximo de colega seguidor de suas mesmas linhas terapêuticas para tratar doenças mentais. Também ele comungava com a máxima: “Manicômio não é lugar para enfurnar maluco”.
Decorridos alguns meses, mais íntimos, Salvatore revelou um segredo a Zequiel: desejava conhecer os mistérios da floresta, as manhas que a envolviam e a potencialidade das folhas na cura das doenças. Foi além: ansiava transformar-se num tuxaua, obter os conhecimentos de um chefe indígena. Diante da surpresa de Zequiel, Salvatore registrou: tuxaua só no conhecimento!- Citadino, não diria outra coisa. Logo Zequiel o convidou a visitar seu sítio em Casimiro de Abreu, localizado no meio de uma floresta muito bem preservada.
Numa manhã de sábado, Zequiel, vindo de Cabo Frio, apanhou Salvatore e esposa em Rio das Ostras, e rumaram para o sítio.
- Sairás formado em Tuxaua, conhecendo folhas, flores, frutos silvestres, pequenos e médios animais, aves, rios, noite, dia, alguns mistérios e muito mais.
- Que ótimo, Zequiel! É tudo o que quero!
- Após o almoço, partiremos.
Dito e feito. No início da tarde,dirigiram-se à cachoeira, onde se formava belo lago. Tomariam banho; o aprendizado incluía as “lições das águas”.
No meio do caminho, Salvatore revelou que tinha medo de raio. Zequiel o acalmou, dizendo-lhe que o tempo estava bom. Chegando ao lago, os cães latiram. Havia alguém nas proximidades. Zequiel se adiantou e, na primeira quebra da trilha, deu de cara com um sujeito estranho carregando uma mochila e assustado.
- Que houve, companheiro?
- Fomos atacados por uma onça, eu e meu amigo.
- Onça?
- Sim. Uma onça, com uma cabeça enorme!
- E ele?
- Trepou numa árvore! Não sei se ainda está vivo!
Salvatore e a mulher se juntaram a Zequiel e a tudo ouviram, ele de olhos acesos.
- É verdade, moço! Há muita onça por aqui! Surpreendo-me com a coragem de vocês! Eu conheço os caminhos. Safo-me bem diante dos inúmeros perigos. - Disse Zequiel ao estranho, ciente de que onça, por aqueles lados, só fantasmas de suas ancestrais.
- Já me vou. Procurarei ajuda para meu amigo.
Salvatore, assustado, estrilou.
- Por que não me falaste das onças?
- Não te preocupes. Se há alguma onça, não nos alcançará. Pulamos na água e nos salvamos. - Referiu-se assim, para testar a coragem do amigo.
Lá se foram os três para dentro do lago. Mas eis que, olhando para o céu, depararam-se com negras nuvens.
- Estranhas aquelas nuvens, Zequiel. – Disse Salvatore, feições estranhas.
- É verdade, Salvatore. Não se esperava chuva por estes dias. Mas as nuvens dizem o contrário.
Ao longe, roncaram os primeiros trovões. O tempo escureceu. Não demoraram os raios.
- Vou-me embora. Entre os raios e as onças, prefiro as últimas! - Dito e feito: Salvatore botou o pé na trilha. Sua mulher dizia a Zequiel que Salvatore só se acalmaria ao encontrar um pneu para servir-lhe de isolante.
- É verdade, Salvatore tem razão. Nada como subir num pneu nessas horas.
De imediato, Zequiel e Vera foram atrás de Salvatore, que, àquela altura, corria mais que lebrão assustado.
Na metade do caminho, Salvatore divisou um pneu velho de trator jogado à margem. Não contou até três para nele subir e ali ficar, até que os companheiros chegassem.
- Olá, Salvatore! Mais calmo? - Perguntou Zequiel.
- Sim. Agora não corro perigo.
Vera, aproximando-se, deu um grito.
- Salta daí, Salvatore! Há uma cobra sob o pneu!
Uma enorme cobra! A cabeça, pressionada pelo corpo de Salvatore, escorregou para fora, ficando visível.
- É cobra para mais de metro e meio! - Gritou Zequiel.
De pronto, Salvatore correu em direção à cerca, disparando rumo ao campo do vizinho, evidenciando ter mais medo de cobra do que de raios e onças... juntos!
Ao chegar em casa, Zequiel, vendo Salvatore encolhido na carroça, observou:
- Amigo, estás reprovado no vestibular para índio! Raios, cobras e onças fazem parte do currículo de formação dos Tuxauas. Ao demais, aquela cobra se tratava de uma jibóia morta por aquele malandrão encontrado próximo ao lago. Pensou que fôssemos do IBAMA e aplicou aquela mentira, dizendo que levaram uma corrida de onça e que o amigo subira numa árvore. Tudo mentira! Semana que vem, recomeçaremos. Tens direito a uma segunda época!
Salvatore caiu fora. Largou a idéia de ser tuxaua. Era coisa de maluco.

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