quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O ACIDENTADO

Era um bóia-fria chegando da lida. De súbito, viu-se lançado fora da estrada. A marmita e um dos sapatos ficaram no acostamento; tomara-lhe desagradável tontura.
Noite, bruma e silêncio, trilogia desassossegante para o pobre homem, agora inerte no valetão úmido e escuro, obra de um motorista imprudente.
Tinha medo de cobra, de animais peçonhentos em geral. Mas naquele instante as dores no corpo e o sangue tomando-lhe o abdome não lhe permitiam medo ou nojo.
Após minutos aflitivos, decidiu gritar por socorro. A hora noturna ia adiantada, mas, decerto, chamaria a atenção de quem passasse na estrada. Entretanto, quem passaria àquela hora por ali? Lembrou-se do Nico, do Inácio, do Pavani e do Gentil, amigos que permaneciam até tarde no bolicho da Suzana, bebendo e comendo salame. Será que o ouviriam, estando bêbados? Ao tentar o primeiro pedido de socorro, sentiu intensa dor no peito. Imaginou fraturas nas costelas. Notando a perna direita inerte, logo se aquietou. Aliás, não movia palha. Partira a canela. Fratura exposta.
O tempo escorria num vagar angustiante. Raros veículos cruzavam. Se chegasse ao acostamento, o socorro ficaria fácil! - Pensava o pobre diabo, tiritante de frio, dor e medo.
Lembrou-se da mulher, dos filhos, dos quefazeres. O que diria o patrão pela manhã, diante de sua ausência? Estava há pouca distância de casa; uns cento e cinquenta metros.
Uma chuva fina e impertinente incomodava-o. O adensamento da neblina tornava o ar pesado e a escuridão espessa. Os raros faróis transmitiam-lhe essa percepção.
Empapado de sangue, doía-lhe da cabeça aos pés. Não detinha os gemidos; na sua imaginação, serviam-lhe como alternativa, caso alguém os ouvisse da estrada.
Aqui e ali, praguejava o atropelador, por não ter prestado socorro.
A hemorragia debilitava-o. Sobre o mato molhado e o chão lamacento, sentia-se perdido. Não conseguiria socorro antes do amanhecer. Diante do quadro, optou pela imobilidade, para não complicar a situação que se agravava.
Perturbava-o a viscosidade do sangue. Percevejos, ratos, cobras, baratas, enfim, nada o apavoraria tanto, como a impossibilidade de ver-se socorrido.
Acentuava-se o desespero. Suplicava a Deus que o encontrassem.
As dores, àquela altura, eram lancinantes. Uma friagem sintomática tomava-o dos pés à cintura. À sua determinação de ficar imóvel, juntou-se uma paralisia compulsória, decorrente das múltiplas lesões. O processo hemorrágico tramitava implacável.
Ao cessar a chuva, a madrugada se despedia. Sobre o valetão, dissipava-se a neblina. Um cheiro nauseante de pântano inundava ao redor. Mudara a direção do vento. Era cheiro de peste. Uma nuvem de mosquitos aporrinhava-o, mas nada podia fazer. Ao sangue escorrendo de várias partes do corpo, eles preferiam o método tradicional da picada para alimentar-se. Porém, salvante a irritação causada pelos zumbidos, nada mais importunava; grande parte da superfície de seu corpo tomara-se de aflitiva insensibilidade.
Não sabia das horas, mas um galo cantou. Era seu carijó, com certeza! Sua mulher levantaria para fazer café, fritar bolinhos de farinha de trigo e ajeitar os meninos para a escola. Os agricultores caminhariam pelo acostamento, rumo às roças. Renovavam-se as esperanças!
Como por magia, pairou sobre o moribundo encantadora serenidade. Abriu os olhos, pálpebras leves, e divisou a estrela matutina. Linda, coruscante! Enfim, aproximava-se o resgate.
Os pensamentos viajavam. No cosmo, penetrava as infinitudes estelares. Estava feliz com as novidades prazeirosas. De repente, sentiu-se removido para uma ambulância. Ele pedia cuidados, pois as dores eram muitas. Mas ninguém o ouvia. Em sua viagem, recém chegara à primeira estrela.

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