terça-feira, 13 de outubro de 2009

MISÉRIA POUCA É BOBAGEM

Era muita miséria! A prole, amontoada no pequeno quarto, ouviu a mãe proclamar a hora de dar rumo àquela desordem. Cedinho, botou-os para fora de casa. Fossem os moços para o lixão; as moças, às faxinas!
Roberval mandava pouco. A filharada constituía-se em exército rebelde. Atendia à mãe por capricho. Sustentavam o brocardo: Mãe é mãe, o resto é conversa!
Durante muitos anos, sobreviveram ao custo do emprego de Roberval, cobrador de ônibus. Juntava o pouco que ganhava com o da mulher, lavadeira, e tocavam a vida que Deus dava. As crianças, enquanto pequenas, empurravam com a barriga. Acontece que cresceram: O mais novo com 13, a mais velha com 20, os seis filhos já estavam adultos para a vida. No entanto, amontoavam-se no pequeno quarto, como antigamente, quando duas camas abrigava-os e, com jeitinho, ainda sobrava lugar.
Que miséria estuporada! Parecia filme sobre desgraça! Mas seguiam!
Certo dia, Glorinha chegou em casa cabisbaixa, lamentando os azares e os tropeços.
- Que houve, filha?
- Estou grávida, mãe!
Alvoroço geral, até que o pai de Glorinha pediu silêncio e disse:
- Seja lá como for, tira esse filho! Juntamos um dinheirinho para o aborto. Conheço um doutor que é bom nisso!
Assim foi feito. Junta daqui, junta dali, conseguiram o valor correspondente ao preço solicitado pelo aborteiro. Para lá se dirigiram Glorinha e os pais.
Aguardando a vez, ali estava o retrato da mais triste desolação. Pai, mãe e filha tentando se afastar de outro problema, empurrados pela miséria. Uma menina engravidar não significava situação de ordem moral, mas material. Seria menos uma filha a trabalhar e mais uma boca a sustentar.
- Dona Glorinha!
A moça entrou. Menos de cinco minutos após, homens armados entraram no consultório, dando voz de prisão aos que ali se encontravam. Encurtando a história: Glorinha estava na maca; submetia-se aos preparativos para o aborto. A polícia interrompeu o processo.
Resultado: pai, mãe, filha, médico e enfermeira respondem a processo pela prática de crime de aborto, na forma tentada. Quase todos os meses enfrentam demoradas audiências no fórum. A primeira vez, foi o interrogatório. Depois, oitiva de testemunhas. Decerto, pelas provas, submeter-se-ão ao crivo do Tribunal do Júri, por tratar-se de crime contra a vida.
Ao nascer o neto, Roberval tomou um gole de café, acendeu um cigarro e lascou:
- Fiquem tranquilos. Na atual situação, desesperar é doidice. E mais: eu e a mãe de vocês já estamos mais para o lado de lá. Se o processo der cadeia, não se apavorem. Teremos comida e acomodações dignas. Soube que o pessoal dos direitos humanos fiscaliza a situação das penitenciárias no Brasil. A coisa vai melhorar! Ah, esquecia: hoje, pela manhã, Gildinha – a irmã mais nova - me procurou. Também engravidou! Alguém tem idéia melhor do que a do aborto? Se não, tá na hora de enfrentar o mundo, caso contrário não haverá feijão no almoço. Afinal, suas galinhas de uma figa - disse o velho em bom desabafo -, miséria pouca é bobagem! Vamos em frente que atrás vem gente!

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